Primeiros habitantes

A ocupação humana do território que depois se tornaria o Brasil começou numa data que os especialistas calculam atualmente entre 12 e 30 mil anos atrás. De acordo com as hipóteses mais aceitas sobre os caminhos de ocupação, duas rotas teriam sido usadas. As controvérsias entre os estudiosos, no entanto, não permitem traçar com segurança as formas de povoamento da região. O que se sabe com certeza é que todo ele estava ocupado há mais de cinco milênios.

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Cultura tropical

A variedade dos povos que aqui viviam antes da chegada dos europeus era imensa. Até hoje foram catalogadas mais de 170 línguas faladas pelos índios brasileiros, divididas em quatro grandes grupos: o tupi, empregado por tribos distribuídas numa vasta faixa entre o Amazonas e o Rio Grande do Sul; o , concentrado na bacia do Araguaia-Tocantins; o carib, encontrado no Mato Grosso e norte do Amazonas; e o arauaque, dominante na região do Pantanal e oeste do Amazonas. O cálculo do número de habitantes do território no ano de 1500 varia muito: de 1 milhão a 8,5 milhões de pessoas.

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Tecnologia

A grande população indígena original apresentava algumas características comuns. Em milhares de anos de contato com as florestas e os cerrados, os índios aprenderam a conviver com a natureza tropical. Domesticaram plantas e espécies animais. Descobriram um método para o preparo da mandioca. Empregaram madeiras e raízes, produziram pigmentos e usaram ervas medicinais. Cada grupo desenvolveu a seu modo técnicas de sobrevivência adaptadas à natureza que o cercava.

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Variedade

As técnicas comuns de sobrevivência forneceram uma base cultural similar a muitas tribos. A construção de casas e canoas, a fabricação de armas, de instrumentos de caça e pesca – e até mesmo os motivos de pintura corporal – eram semelhantes em muitos grupos. O nível de conhecimento tecnológico também era equivalente: nenhuma tribo dominava a metalurgia, a maioria praticava regularmente a agricultura, ou seja, encontravam-se todas no estágio neolítico.

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Relação com o sagrado

Os índios viviam, de maneira geral, em grupos autônomos, os quais migravam de tempos em tempos. Esses grupos tinham uma identidade própria, transmitida de uma geração para outra por meio de histórias sobre a origem do mundo, o cultivo das plantas e as regras sociais. O momento em que se contavam essas histórias era uma ocasião especial, preparada com muito cuidado e na qual se reunia toda a tribo. Os relatos explicavam desde o surgimento das plantas até o motivo de o casco do jabuti parecer remendado. Cada história, além de aproximar os membros do grupo, servia para consolidar o conhecimento que tinham do mundo.

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Rituais

As tribos organizavam-se segundo sistemas de parentesco. Todos os membros eram parentes entre si, e deviam seguir certas regras de comportamento em função da posição relativa que ocupavam. Os vínculos entre todos eram enfatizados por uma série de rituais – e cada mudança de posição relativa de um membro da tribo, cada nova etapa de sua vida, era marcada por um ritual. Os mais comuns assinalavam o nascimento, a puberdade, o casamento, a passagem para a velhice e a morte.

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Homens e mulheres

Os sistemas de parentesco determinavam a organização do trabalho na tribo. Este era dividido conforme o sexo: em geral, as mulheres cuidavam das tarefas de plantar, preparar os alimentos e fabricar instrumentos domésticos como cestos, panelas e pentes. Os homens eram responsáveis pela construção de casas e canoas, derrubada da mata para o plantio, caça e produção de armas como arcos ou tacapes. As tarefas que exigiam cooperação eram realizadas por grupos de parentes em benefício de todo o grupo.

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Família e casamento

Família e casamento, como hoje os conhecemos, eram instituições inconcebíveis para os índios. O que valia para eles era o grupo ampliado de parentes. Conheciam apenas uma única proibição: casar dentro do próprio grupo. Embora houvessem uniões duradouras, estas não tinham o caráter de permanência do casamento cristão e quase sempre podiam ser desfeitas. Além disso, os índios consideravam normal a poligamia.

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Importância do grupo

Como o valor maior que relacionava todos os membros da tribo era o grupo – a idéia de um indivíduo isolado não fazia sentido para eles –, os índios, sobretudo os tupis, tinham um costume: oferecer uma mulher a um estranho que fosse aceito entre eles, ou um marido a uma mulher incorporada à tribo. Com isto, o recém-chegado tornava-se parente por afinidade de todo o grupo, ocupando um papel definido na tribo e participando de todas as suas atividades. No sentido inverso, isto é, de oferecer uma mulher a um chefe de outra tribo, o costume possibilitava a construção de alianças políticas entre tribos.

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Período de guerras

Quando não era possível resolver eventuais problemas entre tribos por meio do casamento, havia guerra. Por volta de 1500, os índios do litoral estavam empenhados em acirrada disputa pelo controle das regiões mais férteis. Tribos tupis em migração disputavam espaço com ocupantes mais antigos. As estratégias de combate mais comuns eram o rapto de mulheres da tribo adversária e o combate direto entre guerreiros. As vitórias eram comemoradas com um grande ritual: o da antropofagia. Neste momento de guerra generalizada é que chegaram novos e estranhos homens ao Brasil.

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Chegada dos portugueses

No dia 23 de abril de 1500, a vida dos índios que viviam na região onde hoje está a cidade de Porto Seguro, no sul da Bahia, foi interrompida por um espetáculo assombroso. Treze navios enormes, muito maiores do que as canoas que conheciam, atravessaram um após o outro a passagem entre os recifes da Coroa Vermelha e ancoraram perto da praia. Sob o comando de Pedro Álvares Cabral, a frota chegara na véspera a alguns quilômetros ao sul, e fora até ali em busca de um local mais seguro para fundear.

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Primeiros contatos

Por meio de gestos, índios e portugueses se descobriram. Trocaram objetos e visitaram mundos estranhos para ambos: os grandes navios dos homens vestidos e as grandes casas dos homens que pareciam nus. Em terra, os europeus celebraram missa, acompanhada pelos índios com cantos e danças. Tudo isso foi descrito numa carta composta por Pero Vaz de Caminha, o escrivão da frota. No fim da visita, dois índios embarcaram nos navios, e dois portugueses ficaram em terra para aprender os costumes locais. Na partida, dia 30, dois marinheiros desertaram para viver na terra que Cabral batizara de Vera Cruz.

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Grande expansão

Foi num momento de glória para Portugal que Cabral chegou ao Brasil. Por um século, mas sobretudo a partir de 1433, com a criação da Escola de Sagres, os portugueses aperfeiçoaram o astrolábio e a bússola, técnicas de navegação e de construção naval. Avançaram ao largo da África, com uma única meta: chegar às Índias. Tanto esforço se explicava. A vida na Europa era dura, a fome, uma constante no inverno. Para se conservar os alimentos, eram essenciais os temperos ("especiarias") do Oriente, muito caros devido às complicações das rotas terrestres. Em 1498, Vasco da Gama alcançou afinal o objetivo, encontrando a rota marítima até as Índias, cuja posse já estava garantida por tratado. A parada de Cabral no Brasil foi só uma escala na segunda viagem à terra das especiarias.

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Brasil

Embora as novas terras não prometessem tantas riquezas quanto as Índias, nem por isso deixaram de despertar interesse. Em menos de cinco anos, os portugueses acabaram traçando, em visitas regulares, mapas de boa parte de seu litoral. E encontraram um motivo para aumentar o número de viagens: uma árvore da qual se extraía tintura vermelha para tecidos – mercadoria de grande procura na Europa. A árvore era o pau-brasil, ou pau cor de brasas. Logo a nova mercadoria despertou a cobiça que acompanha toda riqueza. Não apenas portugueses, mas aventureiros de vários países começaram a aportar num litoral que se tornava cada vez mais conhecido na Europa pelo nome da madeira.

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Controle do território

O comércio de pau-brasil era realizado tanto por portugueses como por espanhóis e franceses. À medida que seu volume crescia, aumentava o interesse de Portugal, cuja primeira reação fora arrendar as terras, já em 1502, a um consórcio de mercadores liderados por Fernão de Noronha. Com a ameaça estrangeira, porém, o governo começou a mandar cada vez mais frotas armadas. Em 1526, durante uma dessas expedições, comandada por Cristóvão Jaques, foi fundado o primeiro núcleo permanente, uma feitoria em Pernambuco. Apesar do apresamento de vários navios, sobretudo franceses, a tentativa de controle da terra por meios militares não afastou os concorrentes. Sem que o governo se desse conta, todo um sistema de comércio já estava em funcionamento.

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Escambo

Cada navio que aportava no Brasil deixava uma leva de europeus. Sobreviviam os que casavam com índias, aceitos pelos nativos segundo a praxe de oferecer ao visitante uma mulher da tribo. Numa época de guerras, a absorção dos estrangeiros era vantajosa. Unidos a índias, e aos parentes delas, estes logo se tornaram peças-chave em um sistema de escambo que abrangia não só o pau-brasil, mas também o abastecimento das naus. Os europeus pagavam com facas, objetos de metal, espelhos. Para os índios, que não fabricavam metais, tais instrumentos eram um enorme avanço tecnológico, ao passo que os espelhos eram espantosos por si. Uns acreditavam levar tesouros – e, para os outros, as árvores não valiam tanto assim.

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Paraíso dos estranhos

Os europeus integrados às tribos comandavam seus parentes homens no corte e no transporte da madeira, faziam as transações e reforçavam o poderio do grupo, proporcionando-lhe instrumentos de ferro. Essas tribos tinham vida muito melhor e os novos membros, posição privilegiada. Como os índios aceitavam a poligamia, os europeus perceberam o quanto isto lhes era favorável e prazeroso. Cada novo casamento vinculava-os a outros parentes dispostos a ajudar no corte da madeira e a partilhar as benesses do escambo. E cada nova mulher era uma alegria para indivíduos criados na mais estrita monogamia.

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Germes de cultura

Não demorou para que esses europeus se adaptassem por completo à nova situação, tornando-se quase índios. Andavam nus, comiam mandioca, aprendiam o nome das árvores, a época certa do plantio, a maneira de caminhar na mata, a língua nativa. E geravam filhos, os primeiros brasileiros: identificados com o pai poderoso, mas herdeiros dos costumes da mãe. Criados no cruzamento da cultura dos ancestrais maternos e das informações do mundo paterno, constituíram a base na qual se assentaria o peso da colonização. Num mundo que concebia o encontro racial pela ótica do domínio, a ocupação do Brasil se faria não só pela guerra, mas também pelo casamento.

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Capitanias hereditárias

A mistura étnica como método de ocupação, quase um acidente no início, acabaria reforçada pela situação de Portugal. Sem recursos financeiros e humanos para empreender uma ocupação em grande escala, o rei d. João III decidiu, no ano de 1532, implantar em suas novas terras o sistema de capitanias hereditárias. Dividiu o Brasil em quinze faixas horizontais, e as doou para quem quisesse explorá-las por sua própria conta. Nem todos os donatários chegaram a tentar a sorte nos trópicos – e, entre os que o fizeram, só foram bem-sucedidos aqueles que se dispuseram a seguir os conselhos dos primeiros ocupantes do território.

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São Vicente

O donatário que teve menos trabalho e mais êxito foi Martim Afonso de Sousa. Em 1532, chegou ao local onde hoje é São Vicente, no litoral paulista. Três dias após seu desembarque, um grupo de índios se aproximou. Enquanto os assustados portugueses preparavam-se para lutar, um homem se destacou do grupo nativo. Disse que seu nome era João Ramalho, contou que havia vinte anos morava ali, e que garantiria a paz. Ao aceitar tudo o que lhe propôs aquele português nu, Martim Afonso fez o melhor negócio de sua vida. O território da capitania seria dividido: os portugueses poderiam ficar na estreita faixa litorânea, desde que deixassem os índios pescar e não os molestassem.

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Capitão-mor

Como capitão-mor, João Ramalho controlava as terras do planalto. Para transpor a serra entre os dois territórios, os portugueses precisariam de sua autorização. Aceito o trato, tudo funcionou bem: nenhum índio atacava os colonos; estes, por sua vez, recebiam escravos para cultivar as terras (fornecidos pelo capitão-mor após incursões às tribos inimigas). Além disso, Ramalho conseguiria índias para os solteiros. Agora as mulheres é que abandonavam a vida tribal e passavam a viver nas aldeias dos portugueses. Com o acordo, os primeiros engenhos de açúcar começaram a produzir. Logo também o tupi era língua predominante no sul da Colônia, e seria assim até o século XVII.

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Pernambuco

Outro que obteve sucesso foi Duarte Coelho, donatário da capitania de Pernambuco. Contudo, a demora em aceitar os costumes locais custou-lhe caro. Em 1535, Coelho chegou às suas terras como um fidalgo europeu: fazendo guerra aos índios. Em seu caso, a paz era mais difícil. Ali, a maioria dos europeus indianizados era francesa, e maior a resistência. Inúmeras vezes a presença dos portugueses esteve ameaçada. Enquanto Martim Afonso instalava engenhos, Coelho morava em um forte, sob constantes ataques dos índios. Porém, graças a Vasco Fernandes Lucena, náufrago português casado com índia, o donatário encontrou o caminho da sobrevivência: entender-se com os tabajaras.

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Mulher no comando

Em pouco tempo havia engenhos funcionando em Pernambuco. Enriquecido, Duarte Coelho viajou a Portugal para tentar ampliar seus poderes administrativos. E, num gesto inusitado, deixou no comando sua mulher Brites de Albuquerque, à testa de um grupo adaptado aos costumes locais. Seu filho e seu cunhado uniram-se a índias, tal como muitos colonos. Esses casamentos possibilitaram uma grande aliança militar entre portugueses e tabajaras, cujo maior expoente foi seu filho Duarte Coelho de Albuquerque, casado com várias índias. Atacando os adversários dos tabajaras, os aliados asseguraram o fornecimento de escravos e, com isso, o progresso econômico e o controle do território.

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Fracasso das outras capitanias

Nas capitanias onde não houve acordo nem aliança, malogrou a tentativa de ocupação. De norte a sul, repetiu-se a cena de portugueses cercados por índios, canaviais queimados, casas destruídas e donatários mortos, mesmo ali onde havia portugueses indianizados. Foi assim na Bahia, onde o donatário Francisco Pereira Coutinho encontrara Diogo Álvares Correia, o Caramuru, vivendo entre os índios. Levada a ferro e fogo a empreitada colonizadora, tudo o que Coutinho construiu foi destruído pelos tupinambás, e ele próprio acabou morto a flechadas. Com pequenas variantes, foi rápida a derrocada dos portugueses que não se acertaram com os nativos. Já no final da década de 1540, estava claro que a colonização não seria fácil. Por isso o governo português resolveu mudar de método.

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Governo-geral

Em 1549, só restou a d. João III envolver a Coroa na ocupação do Brasil, mesmo que isso custasse caro ao Real Erário. Retomando capitanias ainda inexploradas, instalou um governo-geral em Salvador. Embora nas regiões já ocupadas sua autoridade fosse limitada, o governador-geral tornou-se o eixo de uma nova política, pois contava com tropas e navios de guerra. E dispunha de gente capaz de fazer com palavras o que não se conseguisse com as armas. Junto com Tomé de Sousa, o primeiro governador, vieram também padres jesuítas, com a missão de transformar índios hostis em bons selvagens. Além de uma espada mais forte, os moradores do Brasil iriam conhecer a cruz.

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